segunda-feira, 6 de maio de 2019

Espécies paleoautóctones (5): Avicennia



Uma sereíba ou mangue-branco (Avicennia germinans) recentemente estabelecido cresce no meio de um pântano salobro no norte de St. Augustine, Flórida, perto do limite norte desta árvore tropical sensível ao frio. Os mangues estão em expanção no norte da Flórida, à medida que os episódios de frio intenso se tornam mais raros. Foto: Kyle C. Cavanaugh (Landsat Satellite Sees Florida Mangroves Migrate North)



Evocava, num artigo anterior, a presença de manguezais na costa sul da península no final do Terciário e início do Quaternário (Ecosistemas terciarios desaparecidos), documentado pela descoberta de fósseis extraordinariamente bem preservados cujo estudo ainda está em andamento (Hallados fósiles de manglares de hace 2,5 millones de años en Cuevas). Com base nisso eu imaginei, noutro artigo mais recente (Rumbo al Plioceno), como num futuro mais ou menos distante a Romería del Rocío possivelmente teria que progredir em barcos entre as raízes dos mangues. Ao escrever esse artigo, no entanto, eu não estava ciente de que a possibilidade de ver um manguezal crescer na nossa costa pode não estar tão longe quanto eu esperava...




Distribuição atual de Avicennia germinans



Tal como se pode ver no mapa anterior, o mangue-branco (Avicennia germinans) alcança na América do Norte as costas orientais da Flórida. O limite norte da sua distribuição não parece ser tão marcado pelas temperaturas anuais médias ou pelas chuvas, mas pelo fato de que haja dias de frio em que a temperatura caia abaixo dos -4ºC. Abaixo dessa temperatura, com efeito, as plântulas de mangue-branco não sobrevivem. Um estudo relativamente recente [1] demostrou, por outro lado, que o aquecimento global propiciou desde os anos 80 o desenvolvimento do manguesal em zonas cada vez mais ao norte, onde esta árvore coloniza as zonas de costeiras.




Como vocês são inteligentes e têm mentes ágeis, deram-se seguramente conta vendo o mapa de distribuição desta espécie que o norte da Flórida se situa mais ou menos à mesma latitude que as Canárias. E como bem sabem, as correntes oceânicas (Gulf Stream) baixam para o sul ao largo da costa da América do Norte, trazendo águas frias desde o norte, e sobem para o norte ao largo das costas de África e da Europa. Além disso, há muitas áreas do sul de Espanha, onde as temperaturas não caem abaixo dos 0 graus. Huelva, por exemplo, muitas vezes é a cidade de Espanha com a temperatura mínima mais alta. O récorde de frio nesta cidade foi de -5,8 graus e foi alcançado em 1938. Mais tarde, apenas chegou a alcançar esse límite de -4ºC en 1954. A grande pergunta, já adivinháram, é a seguinte: poderia o mangue branco sobreviver no sul de Espanha? Que eu saiba, a ninguém ocurreu tentar plantar esta espécie no nosso país mas vendo que a limitação climática é a que marca o límite da sua distribução na Flórida, pergunto-me que talvez valha a pena levar a cabo a experiência, se bem que apenas para tirar as dúvidas. No pior dos casos teríamos um pequeno manguesal na nossa costa...




Distribuição potencial de Avicennia germinans supondo que sería capaz de crecer em lugares nos que as geadas são excepcionais. Realização: Joâo Ferro.




AvicenniaFamília: AcanthaceaeOrdem: Lamiales

Arbustos ou árvores de hábitat marítimo, com neumatóforos. Ramos de contorno circular, ás vezes as mais jovens quadrangulares, conspicuamente engrossadas nos nós. Folhas simples, opostas e dispostas, lanceoladas, oblongo-lanceoladas ou elípticas, coriáceas, inteiras, sem estípulas. Inflorescências em pequenas espigas ou capítulos; brácteas e bracteolas ovadas, mais curtas que o cálice, persistentes. Flores pequenas, opostas, sésseis, hermafroditas, amarelas ou amareladas. Cálice cupiliforme, profundamente 5-lobado, com lóbulos imbricados, persistente. Corola gamopétala práticamente actinomórfa, campanulada, curtamente insertada sobre um disco inconspícuo, com 4 ou 5 lóbulos, o superior ligeiramente mais largo que os restantes. Estames 4, soldados na corola na parte apical do tubo. Ovário superior, constituído por 2 carpelos, imperfeitamente 4-lobular, com uma placenta central livre e alada; óvulos pêndulos. Cápsulas subtendidas pelo cálice persistente, dehiscentes por duas válvulas flexíveis; semente geralmente única, ereta; embrião clorofílico com dois grandes cotiledones dobrados longitudinalmente e uma radícula vilosa, ± vivíparo; endosperma carnoso.

Descrição: eFloras



A presença deste género no continente europeu e no Mediterrâneo está documentada até ao começo do Quaternário. Aparentemente os manguesais sobreviveram mais tempo no este da bacia mediterrânea, desaparecendo há menos de 2 milhões de anos ao redor do Mar Negro.



Últimos registos de manguesais de Avicennia no Mediterrâneo [2]



Se não vivesse em Madrid, muito longe do mar e não fazer férias em zonas muito favoráveis, creio que não duvidaria em tentar. A região de Huelva parece-me, à priori, a mais favorável mas tenho de admitir que não conheço muito bem essa região. Podem imaginar o quão extraordinário seria ter um pequeno manguesal na nossa costa? Não só pela curiosidade mas também pelos múltiplos benefícios que este tipo de ecossistema traz onde se desenvolve. Todos sabem, provavelmente, que os manguesais são autênticas creches para muitas espécies de peixes. Não me cabe a menor dúvida que uma iniciativa como esta lograría rápidamente, vencidas as iniciais reticências, o apoio incondicional de muita gente. Pois sim, a ideia está lançada. Oxalá haja neste país pessoas ainda mais loucas do que quem escreve estas linhas...



[1] Cavanaugh K. C. et al. (2014) / Poleward expansion of mangroves is a threshold response to decreased frequency of extreme cold events / PNAS, Vol. 111(2), pp. 723–727
[2] Biltekin, Demet. (2010) / Vegetation and Climate of North Anatolian and North Aegean Region Since 7 Ma According to Pollen AnalysisTésis / Tésis / Université Claude Bernard – Lyon 1 & Université Technique d'Istanbul


Autor: Adrián Rodríguez
Tradução: João Ferro


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