terça-feira, 1 de maio de 2012

Vulcões no Brasil ?



De todos os fenômenos naturais, provavelmente sejam as erupções vulcânicas as que mais terror inspiram. O poder de destruição dos vulcões é realmente aterrador por mais que não aconteçam com muita freqüência. As erupções vulcânicas, porém, seguem um ritmo próprio, que se conta em milhares ou dezenas de milhares de anos. A memória dos homens geralmente não alcança para lembrar desses acontecimentos e, até que os arqueólogos descobriram as ruínas de Pompeia e de Akrotiri (na ilha de Santorini, no Mar Egeo), no século XIX, ninguém era consciente que as erupções vulcânicas podiam acabar com cidades e civilizações inteiras. Um risco totalmente ignorado pelos homens mas bem real. Um pais como a Indonésia provavelmente sumiria se acontecesse de novo uma super-erupção como a que há uns 70.000 anos (erupção do Lago Toba) sumiu o mundo inteiro num inverno que se prolongou por vários anos (acreditasse que pode ter provocado ou precipitado a ultima era do gelo) e cobriu a Índia inteira de uma camada de cinzas de entre 2 e 9 metros. Assustador, não é ? O pior de todo é que nenhum geólogo com um pouco de juízo pode afirmar que isso não vai acontecer de novo...



Fresco com golfinhos nas ruinas de Akrotiri, na ilha de Santorini (Grecia). A civilizaçao minoica, que dominava a Creta e todu o mar Egeo, sumiu totalmente apos a erupçao do vulcao da ilha de Thera (hoje Santorini). Acreditasse que essa catastrofe está na origem do mito da Atlántida. Fotografía: Armagnac-Commons. Licencia: GDFL



Falando nisso... será que tem vulcões no Brasil ? A resposta a essa pergunta depende do que consideramos um vulcão. Se estamos falando de vulcões ativos, então a resposta é não. Não tem vulcões ativos no Brasil. A emissão de lava e a formação de vulcões acontece principalmente em zonas tectónicamente ativas, já seja onde as placas litosféricas convergem e entram em colisão (como acontece na costa oeste do continente americano), ou onde se separam e se forma nova litosfera. Também podem se formar em pontos isolados da litosfera, em lugares situados acima de pontos quentes onde está concentrado o fluxo de matéria ascendente e de energia desde o manto terrestre. O Brasil esta hoje situado numa zona estável da litósfera, mas são muitos os indícios do que não sempre foi assim no passado, conservando-se em muitos lugares rochas vulcânicas que são as pacificas testemunhas de antigas e catastróficas erupções que ainda tem um impacto importante nas paisagens. Vejamos alguns exemplos viajando no tempo do presente para o passado mais afastado.



Um dos melhores lugares no Brasil para observar rochas vulcânicas é, sem lugar a dúvidas, o arquipélago de Fernando de Noronha. Situado no Océano Atlántico, a sua formação se deve a presença de um ponto quente embaixo da litosfera que também deu lugar ao nascimente de uma serie de vulcões no Rio Grande do Norte.



Cenozóico: o Nordeste quente

Os vulcões mais recentes se formaram no Brasil há uns 19 milhões de anos, no Nordeste. São a conseqüência de um episódio vulcânico relacionado com a presença de um ou varios pontos quentes nessa região. Alguns destes vulcões são bem conhecidos, sendo um deles (a ilha de Fernando de Noronha) um destino turístico muito popular. Ainda assim, os turistas que passam as ferias nessa ilha não necessariamente são conscientes do que estão desfrutando do sol no coração de um antigo vulcão (extinto). Outro vulcão daquela época, também muito conhecido, é o Pico do Cabugi, um dos picos mais altos do estado do Rio Grande do Norte. Trata-se na realidade da garganta do vulcão, a parte central (conduto) solidificada, formada por rochas muito mais resistentes que o resto do edifício vulcânico, que a erosão eliminou totalmente. Esse vulcão é o mais conhecido de toda uma serie de corpos vulcânicos nesse estado que tem a mesma origem.



Pico do Cabugi (Angicos, Rio Grande do Norte). O perfil piramidal desse pico é enganoso. Do vulcão original só fica o conduto central solidificado. O tálus está formado por blocos resultantes do colapso das rochas do conduto (também se usa a palavra inglesa neck para descrever essa parte central solidificada do volcão). Fotografía: Patrick. Licencia: GDFL



Mesozoico: o divorcio da Africa

O evento mais relevante da historia geológica durante o Mesozóico foi, sem lugar a duvidas, a deslocação do super-continente chamado pelos científicos de Pangea. Esa massa continental que agrupava todos os continentes do Paleozóico rapidamente começou a se deslocar, sob o efeito dos movimentos de convecção no manto terrestre. Há uns 135 milhões de anos, abriu-se no sul do super-continente uma enorme fratura que seria o prelúdio da abertura do Atlântico. Fraturas como essa também existem hoje em dia, sendo o melhor exemplo o grande vale do Rift, que divide toda África desde Síria até o Mozambique, como conseqüência da separação das placas africana e arabiga. Estas fraturas são lugares onde a litosfera se estende, se quebra e fica mais fina, provocando a subida das rochas do manto. Essas rochas, que normalmente sofrem enormes pressões, passam então por um processo de fusão parcial que produz uma quantidade muito importante de magma basáltico. O magma assim produzido é o constituinte essencial da crusta oceânica formada nas dorsales oceânicas. Nos estádios iniciais da formação de um oceano, essas lavas podem se espalhar sobre a superfície continental que está se fraturando.



Diagrama animado mostrando a abertura do Atlantico. As rochas vulcânicas derramadas a consequencia dessa abertura aparecem em vermelho.



Tal fenômeno aconteceu no sul do super-continente do Gondwana no começo do Cretáceo, onde enormes quantidades de lava cobriram os relevos existentes. Trata-se de lavas muito fluidas e essas erupções não tiveram um caracter explosivo. O exemplo mais próximo são as erupções observadas em vulcões como o Kilauea, nas ilhas Hawai. A diferença, porém, está no volume de lava emitido. Essas erupções liberaram quantidades inacreditáveis de lava e cobriram no sul do Brasil e nos países vizinhos uma superfície de mais de 1 milhão de kilómetros quadrados. Um autêntico mar de lava que cobrira repetidamente a bacia do Paraná ! Esse caracter fluido da lava é a explicação do caracter absolutamente plano que apresentam os planaltos do sul do Brasil, onde os principais acidentes do relevo correspondem aos escarpamentos que  separam um planalto do outro. Essas erupções aconteceram nesta região durante varios milhões de anos e se acumularam em alguns lugares até 2000 m de basaltos.



Vista aérea das cataratas de Iguaçu. Nesta fotografia da para ver perfeitamente as escadas que formam as sucesivas camadas horizontais de basalto. Fotografía: Leonard G. Licencia: Dominio Público



Paleozoico e Proterozoico: océanos e continentes perdidos

Ainda que sejam as ocorrências mais evidentes e mais recentes de rochas vulcânicas, as anteriormente descritas não são as únicas existentes no Brasil. Aberturas de oceanos como a que provocou os derrames de lava na bacia do Paraná já aconteceram muito antes. O continente sudamericano na verdade é um complexo "collage" de continentes muito más velhos e mais pequenos que as forças tectônicas separam e juntaram varias vezes numa historia de centos de milhões de anos durante os que o vulcanismo sempre teve um papel muito importante nas margens ativas desses continentes. A maioria dessas rochas antigas foram deformadas e transformadas em rochas metamórficas, sendo excepcional a conservação dos caracteres originais dessas rochas vulcânicas.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Araucária, sobrevivente do tempo dos dinossauros

A primeira imagem que vem na mente de qualquer pessoa quando se fala da natureza do Brasil é a floresta amazônica. Essa imensidão de árvores percorrida por inúmeros rios de dimensões grandiosas que excitou a imaginação de muitos exploradores, que acreditavam que iam encontrar neste lugar misterioso o mítico Eldorado. As dimensões quase continentais da Amazônia fazem esquecer que o Brasil, não é só esse pais tropical que Jorge Bem cantava. A diversidade das paisagens, da flora e da fauna é, porém, bem maior do que se pode imaginar num país tão grande e muitos estrangeiros ficariam provavelmente surpreendidos de saber que até é possível ver neve quando o inverno austral atinge os estados do sul. Neste artigo vamos falar de uma árvore bem conhecida no sul do país, que virou um autêntico símbolo a pesar de ter sido explorada sem piedade durante todo o século XX. O pinheiro-do-Paraná (Araucaria angustifolia) é uma das plantas mais surpreendentes da flora do Brasil, um autentico fóssil vivo cuja existência está sendo gravemente ameaçada pela cobiça dos homens...



Tronco de um pinheiro-do-Paraná em Itaiópolis (Santa catarina), na Reserva Particular do Partrimônio Natural das Araucárias Gigantes, criada pelo Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade, ONG ambientalista fundada por Elsa Nishimura Woehl e Germano Woehl Jr. O tronco deste pinheiro tem uma circunferência na base de 4,10 m. Fotografía: Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade.



A árvore foi chamada de pinheiro pelos europeus porque lembrava a eles os autênticos pinheiros, que pertencem a um gênero (Pinus) e uma família (Pinaceae) diferentes e são originários do hemisfério norte. Também se usa muitas vezes o nome de araucária, que é o nome científico do gênero ao que pertence esta espécie e que os cientístas criaram adotando o nome dado pelos índios araucanos a espécie irmã (Araucaria araucana) que cresce nos Andes da Argentina e do Chile. No idioma tupi-guarani, a árvore recebe o nome de curi, palavra que está na origem do nome da cidade de Curitiba, topônimo que quer dizer “lugar com muitos pinheiros”. As araucárias são umas das árvores próprias do Hemisfério Sul que hoje só crescem no sul do continente americano e na Oceania (Austrália e Nova Caledônia). Eram, há milhões de anos, um elemento destacado da flora da Antártica, antes da vegetação desse continente ser totalmente eliminada pelo gelo. Foram, junto com outras espécies de coníferas, elementos dominantes da flora terrestre durante os tempos triássicos e jurássicos. Só por isso, deveria o homem, recém chegado nesta terra, sentir um profundo respeito por essas árvores que já erguiam o característico perfil delas no tempo dos dinossauros.



Mata de araucárias no planalto do Paraná fotografada em 1884 pelo fotógrafo Marc Ferrez. Hoje em dia os pinheiros só sobrevivem em lugares que não puderam ser explorados nem cultivados.



De todas as árvores existentes no Brasil, o pinheiro-do-Paraná é provavelmente a mais fácil de reconhecer. Tem um perfil característico, com um tronco colunar do qual saem galhos perpendiculares que vão crescendo e se erguendo progressivamente, dando a árvore um típico aspecto de candelabro. Quando as condições são favoráveis, sobre solos ricos e profundos, pode atingir até 50 m de altura e seu tronco ter até 2,5 m de diâmetro. Os galhos mais velhos pouco a pouco vão cedendo sob o efeito do peso e, finalmente, desaparecem, ficando na árvore só os galhos mais altos. As folhas, persistentes e rígidas, são relativamente pequenas (não ultrapassam os 6 cm) e tem uma forma linear ou lanceolada bem diferente da forma que podem ter as folhas de outras árvores tropicais, geralmente muito maiores. Vendo a forma da árvore e das suas folhas, fica claro,que estamos em presença de uma árvore totalmente diferente das outras. Vendo as inflorescências e os frutos, aparece claramente que essa árvore é uma conífera, ou seja, uma planta cujas estruturas reproductivas estão formadas por escamas geralmente agrupadas em cones (pinhas). Trata-se de um grupo de plantas muito antigo que dominou a flora da terra na era Mesozoica. Hoje, são um grupo relictual com poucas espécies em comparação com as plantas com flores (ou Angiospermas), aparecidas no fim da era jurássica. No Brasil, por exemplo, de 56.000 espécies de plantas conhecidas só 16 espécies são coníferas. A araucária é a única espécie desse gênero presente.



Distribuição atual da familia dasAraucariaceae. No sul da América vivem duas espécies: Araucaria araucana no Chili e na Argentina e Araucaria angustifolia (pinheiro-de-Paraná) no sul do Brasil e N da Argentina (provincia de Misiones).




Espécie típica do sul do Brasil, o pinheiro-do-Paraná cresce nas partes mais altas dos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, numa altitude acima de 500 m, onde a espécie foi relativamente frequente num passado não tão distante. Também está presente em outros lugares, como nos Estados de São Paulo e de Minas Gerais, sempre numa altitude acima dos 800 m. Foi nos planaltos paranaenses que ocupou a maior superfície, sendo uma espécie particularmente bem adaptada ao clima tão variável dessa região, onde os verãos são quentes e os invernos são realmente frios, podendo a temperatura descer abaixo de zero. Nessas matas de altitude, o pinheiro convive com muitas outras espécies próprias da mata atlântica, sendo ela a que ocupa o ponto mais alto da floresta, destacando o seu característico perfil acima das outras árvores. Essa imagem pode deixar pensar que o pinheiro é a espécie dominante dessas florestas, mas a verdade é que precisa de luz para crescer e as pequenas araucárias só conseguem se desenvolver quando a floresta é vítima de algum tipo de perturbação que consegue abrir espaços na escura massa de árvores. A principal delas é o fogo, que os pinheiros são capazes de resistir devido possuírem um tronco com uma casca de até 15 cm de espessura que protege o interior do tronco e por ter as partes vitais da árvore bem longe do chão. Trata-se portanto, de uma espécie pioneira que mais tarde convive com as outras espécies que crescem ao redor dela e que vão pouco a pouco "fechando" a floresta, condenando os jovens pinheiros a uma escuridão fatal para eles.



Sua importância, durante todo o século XX, acontece pela utilização da madeira do pinheiro, utilização mais importante desta espécie. A madeira do pinheiro-do-Paraná é de boa qualidade, muito usada para fabricar móveis, construir casas, etc. Com a mecanização da exploração ao final do século XIX e a chegada maciça de imigrantes europeus, se desenvolveu muito a arquitetura em madeira nos estados do sul, favorecida pelo baixo custo de construção. Virou uma verdadeira tradição num estado como o Paraná e muitas dessas casas de madeira são hoje consideradas patrimônio nacional. A mata de Araucárias foi intensamente explorada durante o século XX, sendo então essa atividade um dos motivos essenciais do desenvolvimento econômico dos estados do Sul. Línhas ferroviárias e vias de comunicação foram construídas, nessa época para poder comercializar a madeira dos pinheiros. O resultado dessa exploração industrial, causou o quase desaparecimento da mata de pinheiros. Calcula-se, que a área de mata de pinheiros cobria originalmente uns 200.000 km2, representando 40% da superfície do estado do Paraná, 30% de Santa Catarina e 25% do Rio Grande do Sul. Hoje em dia não existe quase nada dessas florestas, apenas 1 ou 2 % da cobertura original da floresta com Araucária.

A espécie, considerada em perigo crítico de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), está hoje teoricamente, estritamente protegida, mas, ainda assim, as araucárias seguem sendo derrubadas ilegalmente pelos madeireiros. Será realmente uma pena que o homem consiga em pouco mais de um século levar a extinção uma espécie presente há já milhões de anos... A madeira do pinheiro chegou a representar até o 93% do total das exportações brasileiras de madeira. Uma quantidade enorme que explica a devastação que sofreram as florestas dos estados do sul e do Paraná, em particular, onde foram exploradas sem que ninguém se preocupasse pela regeneração dessas florestas. Hoje, a maior parte da superfície está ocupada por terrenos agrícolas. Os desastres ambientais causados pelas chuvas desde há mais de 5 décadas demostram que o perigo de ver essas terras sofrer os efeitos da erosão é bem real mas, a pesar de existir muitos projetos para reverter a situação, ninguém sabe ainda se finalmente conseguiremos salvar essas florestas.



Pinha aberta da Araucaria angustifolia mostrando as escamas que forman o cone (ou pinha) e as sementes. Fotografía: Deyvid Setti e Eloy Olindo Setti



Além de ser uma espécie que produz uma excelente madeira, o pinheiro-do-Paraná também apresenta um interesse culinário. As sementes (pinhão) são comestíveis é constituíam um elemento fundamental da dieta dos índios que viviam no sul do Brasil. Um interesse compartilhado por muitas espécies de animais, que ajudam assim a dispersão das sementes, que alguns pássaros, como as gralhas, enterram no chão constituindo reservas para o inverno. Muitas dessas sementes ficam esquecidas e finalmente germinam conquistando novos espaços. O pinhão é, freqüentemente, utilizado no sul, onde é usado em saladas, tortas e bolos ou simplesmente assado na fogueira. Em muitas cidades celebra-se, cada ano uma festa do pinhão, que marca o final do outono austral e coincide com as festas juninas. A colheita começa geralmente o dia 15 de abril e segue até o mês de julho. A atividade está hoje severamente controlada, já que as colheitas ilegais agravam o problema para a recuperação da espécie.



Pinhoes servidos como aperitivo. Fotografia: Adrian Michael. Licencia: GNU Free Documentation License.



A pesar da triste situação atual das matas de araucárias, o futuro talvez não seja tão escuro. Dependerá muito da vontade política, para que essa espécie volte a ter a importância que teve. Trata-se de um esforço a longo prazo, já que o pinheiro não cresce tão rápido como outras espécies exóticas, que tem sido plantadas em seu lugar (eucaliptos, pinheiros “autênticos”). Favorecer o pinheiro é verdadeiramente um ato de fé, o melhor legado que podemos deixar para o nossos filhos e netos, que talvez terão a sorte de contemplar a paisagem como era antes. Se é que o aqueçimento global do planeta permite que isso aconteça...