sábado, 18 de maio de 2019

Espécies paleoautóctones (6): Cedrus



Cedro de "La Francesa", na região de Béjar (Salamanca). É sem dúvida um dos cedros do Atlas mais imponentes da Península Ibérica, numa região onde esta espécie provavelmente ainda estava presente no Holoceno.



As glaciações quaternárias foram uma verdadeira catástrofe para a biodiversidade do continente europeu e a sua flora arbórea empobreceu enormemente durante esse período. Os cedros, tão comuns hoje em dia nos nossos parques e jardins, pertencem a um género que foi um dos últimos a desaparecer da zona continental do continente europeu. Uma única espécie, relictual, conseguiu sobreviver na ilha de Chipre (Cedrus brevifolia), sendo esta espécie o último representante deste tipo na Europa.

Origem e expansão

Confinado hoje em dia às montanhas do Norte da África, sul da Turquia, Médio Oriente e nos Himalaias, a origem deste género encontra-se no leste da Ásia, tal como mostrado por estudos filogenéticos realizados (1) e pela evidência fóssil. De lá, expandiu-se para ocidente, diferenciando-se em primeiro lugar o cedro do Himalaia. Depois de colonizar todo o sul do continente europeu, diferenciaram-se uma população oriental da qual nasceria o cedro do Líbano e o cedro de Chipre e uma população ocidental atingindo o Norte de África através da Península Ibérica quando o Estreito de Gibraltar estava fechado no Mioceno Superior (Messiniense).




É interessante notar que a diferenciação do cedro, resultado do isolamento de diferentes populações, não impede hoje o cruzamento das diferentes espécies, o que muitas vezes dificulta a identificação dos indivíduos plantados nos nossos parques, que podem ser o resultado do cruzamento de várias dessas espécies. Este processo de diferenciação parece ser bastante antigo em qualquer caso, anterior às glaciações. No final do Plioceno, o cedro (sensu lato) estava presente em todos os relevos do sul do continente, da Península Ibérica ao Cáucaso.




Regressão e possíveis refúgios

O cedro já era, no final do terciário, uma árvore de altitude média que coexistia em muitos lugares com coníferas agora desaparecidas como Tsuga e Cathaya. Estas espécies refugiaram-se durante as glaciações, nas penínsulas do sul do continente europeu. A sua presença é comumente admitida na Península Itálica e no norte da Península Ibérica até ao Pleistoceno Médio. A presença de pólen de cedro em sedimentos mais recentes é geralmente atribuída, no entanto, a transportes pelo vento desde o norte da África. O estudo detalhado de alguns diagramas de pólen recentes sugere, no entanto, que o cedro poderia estar presente na Península até datas muito mais recentes.




Diagrama de pólen do depósito de Cuerpo de Hombre (Serra de Gredos). Note em particular o declínio simultâneo do pinheiro e do cedro no momento em que o homem surge.



Um estudo recente realizado em sedimentos pós-glaciais da Serra de Gredos [2] revela a presença mais ou menos contínua de cedro em um dos perfis analisados, o que dificilmente é explicado por uma contribuição do vento do norte de África. O diagrama de pólen desse perfil (Cuerpo de Hombre) mostra que o surgimento do cedro sempre coincide com períodos em que a cobertura arbórea atinge um máximo, como refletido pela curva do pinheiro. O desaparecimento do cedro, por outro lado, coincide com o desaparecimento do pinheiro no momento em que as florestas desta região foram derrubadas e que estas terras mudaram completamente de uso. Uma presença mais aleatória do cedro teria sido mais compatível com um transporte pelo vento. O argumento mais convincente em favor de uma origem local desse pólen, no entanto, é a sua ausência total nos outros perfis estudados nesta mesma região. Parece muito improvável que depois de uma viagem de várias centenas de quilómetros, o pólen de cedro apareça "concentrado" num único perfil. Qualquer um que tenha experimentado um episódio de "poeira do deserto" sabe perfeitamente que quando isso acontece, a areia do deserto cobre indiscriminadamente vastas extensões.




Uma estância de esqui nos Pirenéus, num dia de poeira do deserto em abril passado (2018) / Fotografía: https://twitter.com/hashtag/lluviadebarro



UUma situação muito semelhante é observada noutras regiões. Na Andaluzia, por exemplo, o pólen de cedro aparece em quantidades significativas nos sedimentos na gruta de Bajondillo (Torremolinos), onde tem uma presença contínua no diagrama de pólen até ao final do último período glacial, coincidindo com o surgimento do pinheiro-de-Alepo [3]. Também aqui parece que não é o resultado de uma simples coincidência. Mas da mesma maneira é a ausência total do cedro nos sedimentos da mesma época na gruta de Gorham (Gibraltar), apenas a 60 km mais a oeste, o que é mais marcante no contexto de uma contribuição por parte do vento. Deve-se notar que o próprio cedro está presente nesse mesmo depósito em sedimentos mais antigos (Pleistoceno Superior).




Diagrama polínico da gruta del Bajondillo (Torremolinos). Observe o desenvolvimento simultâneo de Abies, Betula e Cedrus no final da última era glacial.



Esta heterogeneidade da presença do cedro nos sedimentos do Pleistoceno Superior e do Holoceno é explicada muito mais facilmente pela presença de pequenas populações de Cedro na Península Ibérica. O seu desaparecimento, como mostrado pelo exemplo da Serra de Gredos, teria sido muito recente e o homem aparentemente tem uma responsabilidade clara porque a espécie não sobreviveu até hoje. Isso só será definitivamente demonstrado no dia em que macrorrestos do Holoceno forem encontrados atribuíveis a esta espécie. Por enquanto é apenas uma suspeita, mas a evidência aponta claramente que estaria presente. Por enquanto, que eu saiba, ninguém explicou a ausência do cedro em todos os locais próximos e contemporâneos daqueles em que a sua presença foi revelada.


CedrusFamília: PinaceaeOrdem: Pinales

Árvores perenes, de tronco espesso e ramos irregularmente torcidos. Folhas rígidas, aciculares, dispostas principalmente em fascículos no ápice dos galhos. Cones masculinos solitários no centro dos fascículos das folhas. Estróbilos eretos, grandes (maiores de 4,5 cm), de maturação bi o trianual, ± em forma de barril (doliformes) ou ovóides, com escamas caducas ao amadurecer, as téctrices são diminutas e inclusas, as seminíferas subtriangulares, com sementes aladas.

Descrição:  eFlorss




Um futuro brilhante

A mudança climática representa, para o cedro do Atlas, uma ameaça séria e uma oportunidade extraordinária. O aumento das temperaturas, na verdade, já levou ao limite as populações do norte da África de menor altitude. A exploração ilegal e o sobrepastoreio são também ameaças muito sérias na sua área de origem e o futuro da espécie no Norte de África é bastante incerto. Felizmente, os engenheiros florestais franceses perceberam imediatamente o potencial que esta espécie poderia ter na região mediterrânica e a espécie foi plantada em França praticamente desde que foi descoberta (pelos europeus). As florestas de cedro do Luberon e Mont Ventoux demonstram hoje até que ponto esta espécie está perfeitamente adaptada ao clima do tipo sub-mediterrânico que é, precisamente, um dos tipos de clima que mais verá a sua área estender-se para norte até o final do século, convertendo esta espécie numa das mais promissoras para o futuro.




Bosque de cedros no maciço de Petit Lubéron (França), onde cobrem cerca de 207 ha. apenas no território da pequena cidade de Lacoste. O plantio de cedros neste maciço que estava totalmente "descascado" no século XIX foi um sucesso retumbante, tornando-se a sua floresta de cedros numa das grandes atrações da região. Fotografia: Escritório de turismo de Lacoste.



Paradoxalmente, esta espécie não despertou em Espanha o mesmo interesse que em França e só foi plantada em muito pequena escala (El cedro del Atlas en la Península Ibbérica). A evolução atual do clima deve, no entanto, levar as nossas autoridades a tornarem-se mais interessadas nesta árvore que foi, antes de ser vítima das glaciações e de sobre-exploração, uma das espécies mais importantes das nossas montanhas. A qualidade da sua madeira, a sua relativa resistência à seca e a sua baixa inflamabilidade são, em todo caso, razões de peso que argumentam a seu favor...



(1) Qiao C-Y. Et al. (2007) / Phylogeny and Biogeography of Cedrus (Pinaceae) Inferred from Sequences of Seven Paternal Chloroplast and Maternal Mitochondrial DNA Regions / Annals of Botany, Vol. 100. pp. 573–580,
(2) Ruiz-Zapata1 M.B. et al. (2011) / Dinámica de la vegetación durante el Holoceno en la Sierra de Gredos (Sistema Central Español) / Bol. R. Soc. Esp. Hist. Nat. Sec. Geol., Vol. 105 (1-4), pp. 109-123
(3) López-Sáez JA, López-García P, Cortés Sánchez M. 2007. Paleovegetación del Cuaternario reciente: Estudio arqueopalinológico. En: Cortés Sánchez M. (Ed), Cueva Bajondillo (Torremolinos). Secuencia cronocultural y paleoambiental del Cuaternario reciente en la Bahía de Málaga. Centro de Ediciones de la Dipu- tación de Málaga, Junta de Andalucía, Universidad de Málaga, Fundación Cueva de Nerja y Fundación Obra Social de Unicaja, Málaga, pp 139-156


Autor: Adrián Rodríguez
Tradução: João Ferro


segunda-feira, 6 de maio de 2019

Espécies paleoautóctones (5): Avicennia



Uma sereíba ou mangue-branco (Avicennia germinans) recentemente estabelecido cresce no meio de um pântano salobro no norte de St. Augustine, Flórida, perto do limite norte desta árvore tropical sensível ao frio. Os mangues estão em expanção no norte da Flórida, à medida que os episódios de frio intenso se tornam mais raros. Foto: Kyle C. Cavanaugh (Landsat Satellite Sees Florida Mangroves Migrate North)



Evocava, num artigo anterior, a presença de manguezais na costa sul da península no final do Terciário e início do Quaternário (Ecosistemas terciarios desaparecidos), documentado pela descoberta de fósseis extraordinariamente bem preservados cujo estudo ainda está em andamento (Hallados fósiles de manglares de hace 2,5 millones de años en Cuevas). Com base nisso eu imaginei, noutro artigo mais recente (Rumbo al Plioceno), como num futuro mais ou menos distante a Romería del Rocío possivelmente teria que progredir em barcos entre as raízes dos mangues. Ao escrever esse artigo, no entanto, eu não estava ciente de que a possibilidade de ver um manguezal crescer na nossa costa pode não estar tão longe quanto eu esperava...




Distribuição atual de Avicennia germinans



Tal como se pode ver no mapa anterior, o mangue-branco (Avicennia germinans) alcança na América do Norte as costas orientais da Flórida. O limite norte da sua distribuição não parece ser tão marcado pelas temperaturas anuais médias ou pelas chuvas, mas pelo fato de que haja dias de frio em que a temperatura caia abaixo dos -4ºC. Abaixo dessa temperatura, com efeito, as plântulas de mangue-branco não sobrevivem. Um estudo relativamente recente [1] demostrou, por outro lado, que o aquecimento global propiciou desde os anos 80 o desenvolvimento do manguesal em zonas cada vez mais ao norte, onde esta árvore coloniza as zonas de costeiras.




Como vocês são inteligentes e têm mentes ágeis, deram-se seguramente conta vendo o mapa de distribuição desta espécie que o norte da Flórida se situa mais ou menos à mesma latitude que as Canárias. E como bem sabem, as correntes oceânicas (Gulf Stream) baixam para o sul ao largo da costa da América do Norte, trazendo águas frias desde o norte, e sobem para o norte ao largo das costas de África e da Europa. Além disso, há muitas áreas do sul de Espanha, onde as temperaturas não caem abaixo dos 0 graus. Huelva, por exemplo, muitas vezes é a cidade de Espanha com a temperatura mínima mais alta. O récorde de frio nesta cidade foi de -5,8 graus e foi alcançado em 1938. Mais tarde, apenas chegou a alcançar esse límite de -4ºC en 1954. A grande pergunta, já adivinháram, é a seguinte: poderia o mangue branco sobreviver no sul de Espanha? Que eu saiba, a ninguém ocurreu tentar plantar esta espécie no nosso país mas vendo que a limitação climática é a que marca o límite da sua distribução na Flórida, pergunto-me que talvez valha a pena levar a cabo a experiência, se bem que apenas para tirar as dúvidas. No pior dos casos teríamos um pequeno manguesal na nossa costa...




Distribuição potencial de Avicennia germinans supondo que sería capaz de crecer em lugares nos que as geadas são excepcionais. Realização: Joâo Ferro.




AvicenniaFamília: AcanthaceaeOrdem: Lamiales

Arbustos ou árvores de hábitat marítimo, com neumatóforos. Ramos de contorno circular, ás vezes as mais jovens quadrangulares, conspicuamente engrossadas nos nós. Folhas simples, opostas e dispostas, lanceoladas, oblongo-lanceoladas ou elípticas, coriáceas, inteiras, sem estípulas. Inflorescências em pequenas espigas ou capítulos; brácteas e bracteolas ovadas, mais curtas que o cálice, persistentes. Flores pequenas, opostas, sésseis, hermafroditas, amarelas ou amareladas. Cálice cupiliforme, profundamente 5-lobado, com lóbulos imbricados, persistente. Corola gamopétala práticamente actinomórfa, campanulada, curtamente insertada sobre um disco inconspícuo, com 4 ou 5 lóbulos, o superior ligeiramente mais largo que os restantes. Estames 4, soldados na corola na parte apical do tubo. Ovário superior, constituído por 2 carpelos, imperfeitamente 4-lobular, com uma placenta central livre e alada; óvulos pêndulos. Cápsulas subtendidas pelo cálice persistente, dehiscentes por duas válvulas flexíveis; semente geralmente única, ereta; embrião clorofílico com dois grandes cotiledones dobrados longitudinalmente e uma radícula vilosa, ± vivíparo; endosperma carnoso.

Descrição: eFloras



A presença deste género no continente europeu e no Mediterrâneo está documentada até ao começo do Quaternário. Aparentemente os manguesais sobreviveram mais tempo no este da bacia mediterrânea, desaparecendo há menos de 2 milhões de anos ao redor do Mar Negro.



Últimos registos de manguesais de Avicennia no Mediterrâneo [2]



Se não vivesse em Madrid, muito longe do mar e não fazer férias em zonas muito favoráveis, creio que não duvidaria em tentar. A região de Huelva parece-me, à priori, a mais favorável mas tenho de admitir que não conheço muito bem essa região. Podem imaginar o quão extraordinário seria ter um pequeno manguesal na nossa costa? Não só pela curiosidade mas também pelos múltiplos benefícios que este tipo de ecossistema traz onde se desenvolve. Todos sabem, provavelmente, que os manguesais são autênticas creches para muitas espécies de peixes. Não me cabe a menor dúvida que uma iniciativa como esta lograría rápidamente, vencidas as iniciais reticências, o apoio incondicional de muita gente. Pois sim, a ideia está lançada. Oxalá haja neste país pessoas ainda mais loucas do que quem escreve estas linhas...



[1] Cavanaugh K. C. et al. (2014) / Poleward expansion of mangroves is a threshold response to decreased frequency of extreme cold events / PNAS, Vol. 111(2), pp. 723–727
[2] Biltekin, Demet. (2010) / Vegetation and Climate of North Anatolian and North Aegean Region Since 7 Ma According to Pollen AnalysisTésis / Tésis / Université Claude Bernard – Lyon 1 & Université Technique d'Istanbul


Autor: Adrián Rodríguez
Tradução: João Ferro