quinta-feira, 18 de abril de 2019

Espécies paleoautóctones (4): Tetraclinis



Tetraclinis articulata. Bosque de reflorestamento no Parque Natural de Calblanque (Cartagena, Espanha). / Fotografía: Nanosanchez / Dominio Público



Ocorre frequentemente que quando uma espécie ocupa uma área relictual, que a imagem que acabamos fazendo dessa espécie é muito condicionada pelo exíguo da sua área de distribuição. Muitas destas espécies, no entanto, muitas vezes vivem em áreas confinadas, principalmente devido a razões históricas, não tendo tido a possibilidade no passado de expandir ou alcançar outras áreas que podem ser favoráveis. Um exemplo claro é a Adelfa (Rhododendron ponticum), que se tornou nas Ilhas Britânicas e áreas adjacentes numa espécie temida pela sua capacidade de colonizar vastas extensões de terra. Nós tendemos a considerar que essas espécies só podem ocorrer naturalmente dentro da sua área de distribuição atual, sem pensar que, talvez tenham um espectro ecológico muito mais amplo do que se supõe.



O Alerce-africano (Tetraclinis articulata) É uma dessas espécies reliquiais ou consideradas como tal que atualmente possuem uma área de distribuição muito pequena na Península Ibérica. Considera-se geralmente que a sua área de distribuição natural é circunscrita às montanhas que circundam a cidade de Cartagena (ver mapa), região onde todos os esforços para repovoar esta espécie foram feitos. Chama muito a atenção que noutras regiões em que esta espécie foi plantada como ornamental a sua naturalização é frequentemente observada. Este tipo de observações é actualmente frequente na Comunidade Valenciana (Gandía). Devemos acrescentar a existência de várias populações naturalizadas em Ronda, nos arredores de Málaga e Doñana, onde até se pensou que esta espécie poderia ser nativa [1]. A possibilidade de que esta espécie teria uma extensão maior em tempos passados é apoiada, em qualquer caso, pela descoberta de madeira carbonizada desta espécie em diferentes sítios arqueológicos. [2]:





O passado deste género na Europa é relativamente difícil de estudar porque o seu pólen não é diferenciavel do resto das Cupresáceas, sendo os macrorrestos os únicos indícios que estão disponíveis. Estes indicam a presença durante o terciário de pelo menos dois tipos de Tetraclinis na Europa. Um deles (Tetraclinis salicornioides) Parece ter sido um componente acessório de florestas caducifólias e de florestas mistas e que vivia em condições bem diferentes das da espécie atual. O outro tipo (T. brachyodon) aparentemente vivia em áreas costeiras mais xericas. Este último tipo é o que mais se assemelha à espécie atual (ver foto), embora não seja de excluir que ambos os tipos sejam, na verdade, dois ecotipos da mesma espécie. [4]. A sua presença na Europa é documentada até ao Plioceno.


À esquerda: Tetraclinis brachyodon, Radoboj, Croácia, Mioceno Médio, escala: 3 cm. Direita: Tetraclinis articulata, Mogador, Marrocos, atual, escala: 3 cm


A ausência de fósseis mais recentes e a algo misteriosa história deste género durante o Quaternário que um estudo recente tem contribuído ainda mais para enredar [2]. Este estudo mostrou, com efeito, que a pequena população espanhola parece ter mais parentesco com a população tunisiana do que com a de Marrocos, que é muito mais próxima. Portanto, é possível que a população ibérica seja muito antiga e tenha permanecido separada da população africana desde antes mesmo do messiniano (Mioceno) ou que a população ibérica não seja realmente nativa ou que tenha recebido fortes influências da Tunísia em tempos históricos. (Fenícios / Cartagineses). Embora as idades das madeiras queimadas encontradas nos sítios arqueológicos sejam anteriores à chegada dos fenícios, nada exclui a possibilidade de trocas anteriores entre os dois lados do Mediterrâneo ou que essas populações nativas tenham sido mais tarde completamente suplantadas por árvores do norte de África.



De qualquer forma, fica claro que esta espécie tem um futuro brilhante na Península Ibérica. Naturaliza-se sem qualquer problema espontaneamente em todo o sul da península bem como na Comunidade Valenciana. Em outras áreas a priori menos favoráveis, também é perfeitamente capaz de se desenvolver. O exemplar do Jardim Botânico Real de Madrid, em todo caso, parece muito saudável apesar de ter sofrido mais de uma vez episódios muito frios. Como explicado pelo arquivo que o próprio Jardim Botânico publicou: "Embora na bibliografia encontrada se mencione sensibilidade às geadas, os dados disponíveis no Real Jardim Botanico dizem-nos que é resistente e que deve notar-se que este ano, com um frio prolongado de -12 ° C, é impossível detectar qualquer dano tanto nos galhos como no tronco ". É, portanto, uma espécie a ser levada em consideração no futuro em grande parte da Península Ibérica para tentar fixar os solos naqueles lugares onde a vegetação atual (azinhais) possa eventualmente desaparecer como resultado da mudança climática.


Tetraclinis articulataFamilia: CupressaceaeOrdem: Pinales

Pequena árvore de até 6 (12) m, com ramos finos e patentes. Folhas com ápice livre, triangular, providas de uma glândula resinosa nas costas. Estróbilo 0,8-1,2 cm, subgloboso-ovóide, tetragonal, com escamas prui­no­sas ou não no início e tingido de cinza quando maduras. Sementes 3-4 × 1-1,5 mm, com 2 grandes asas subescariosas c. 8 × 4-5 mm, obliquamente obovadas. 2n = 22 *.

Tetraclinis 

Pequena árvore monóica. Galhos aparentemente articulados, comprimidos. Folhas adultas escamiformes, em espirais de 4, as laterais maiores, aplicadas. Cones masculinos terminais; escamas com 4 sacos polínicos na face inferior. Estróbilos subtetragonais, solitários com 4 escamas como que valvuladas, lenhosas; as do par externo côncavas no dorso e as internas geralmente estéreis e sulcadas no dorso. Sementes amplamente bialadas. Género monotípico.


Descrição: Flora Iberica





[1] Esteve Selma, M.A.; Montoya, P.; Moya, J.M.; Miñano, J.; Hernández, I.; Carrión, J. S.; Charco, J.; Fernández, S.; Munuera, M. & Ochando, J. Tetraclinis articulata: biogeografía, ecología, amenazas y conservación, 2017. Dirección General de Medio Natural. 248 pp
[2] Sánchez-Gómez P., Jiménez J. F., Vera J. B., Sánchez-Saorín F. J., Martínez J. F., Buhagiar J. (2013). Genetic structure of Tetraclinis articulata, an endangered conifer of the western Mediterranean basin. Silva Fennica vol. 45 no. 5 article id 1073. 14 p.
[3] Bagonza Díaz J. (2010) / Tetraclinis articulata (Vahl) Mast. especie probablemente autóctona en Doñana / Ecología, Nº 23, pp. 139-150
[4] JOHANNA KOVAR-EDER' und ZLATKO Kvacek Z. (1995) / The record of a fertile twig of Tetraclinis brachyodon (BRONGNIART) MAI et WALTHER from Radoboj, Croatia (Middle-Miocene)


Autor: Adrián Rodríguez
Tradução: João Ferro


terça-feira, 2 de abril de 2019

Espécies paleoautóctones (3): Gleditsia

Quando chega o outono no Parque do Retiro de Madri e as árvores de folha caduca começam a perder as suas folhas, destaca-se entre elas uma árvore de tamanho bem diferente da dos seus vizinhos e de cujos ramos armados de espinhos dissuasivos pendem enormes legumes escuros que depressa acabam cobrindo o solo ao pé da árvore. A natureza do fruto sugere que é uma leguminosa, mas esta árvore pertence, no entanto, a uma subfamília essencialmente tropical, da qual há muito poucos representantes nas zonas frias temperadas. O espinheiro-da-Virgínia (Gleditsia triacanthos) e a árvore-do-café (Gymnocladus dioicus) são, de fato, as únicas espécies da subfamília das Cesalpinioideae cultivadas no nosso país que verdadeiramente suportam o frio. Ambas as espécies compartilham algumas características que são características dessa subfamília, como folhas bipinadas e a presença de glândulas (nectários extraflorais) nos pecíolos ou pecíolos das folhas, as flores actinomórficas, etc. Ao contrário da maioria das espécies desta subfamília, no entanto, ambas as espécies têm flores unissexuais. As acácias também pertencem a esta subfamília, mas não são tão resistentes ao frio como estas duas espécies.




Uma característica interessante das Geditsias é que o mesmo indivíduo pode ter folhas pinadas, bipinadas ou, como pode ser visto nesta fotografia de uma folha de Gleditsia sinensis, parcialmente pinada e parcialmente bipinada (Real Jardim Botânico de Madri)



O género Gleditsia, composto por cerca de 14 espécies, é outro exemplo claro de género com área de distribuição disjunta, estando 3 espécies presentes nas Américas e todas as outras na Ásia. Uma dessas espécies está presente no sul do Mar Cáspio e isso permite-nos intuir que este género estava provavelmente presente em todo o Hemisfério Norte antes das glaciações. Tal como mostra o mapa abaixo, existem poucas evidências fósseis deste género no Plioceno ou no Pleistoceno Europeu e estas não são suficientes para saber qual era a sua distribuição espacial e temporal. Mas confirma-nos, no entanto, que o género tinha uma distribuição holártica antes das eras glaciais. O retorno deste género para o continente europeu, curiosamente, não foi feito a partir do seu reduto na bacia do Mar Cáspio, mas do continente americano. O espinheiro-da-Virgínia (Gleditsia triacanthos), Originária de uma extensa área da América do Norte, agora encontra-se naturalizada em grande parte do continente europeu. É até inclusivamente cultivada na área onde a Gleditsia caspica é originária verificando-se que ambas as espécies se hibridizam com muita facilidade. Um estudo recente (1) conduzido no Azerbaijão mostrou que, mesmo nas reservas naturais, muitos dos indivíduos observados são já híbridos de primeira geração. Este exemplo mostra que apesar do longo tempo que ambas as espécies se separaram, o processo de especiação ainda não conseguiu impedir ou dificultar o cruzamento das diferentes estirpes deste género.




O espinheiro-da-Virgínia é um caso interessante de espécie "orfã". Provista de espinhos dissuasivos em grande parte do seu tronco e nos seus ramos, produz frutos com uma polpa açucarada altamente apreciada pelos herbívoros, chama muito a atenção que não exista atualmente nenhuma espécie de herbívoro que preferencialmente se alimente dos seus frutos ou das suas folhas e que realmente tenha co-evoluído com esta espécie. Na América do Norte, suspeita-se que sejam provavelmente elementos da megafauna recentemente desaparecida, como as preguiças-gigantes, as que comiam os seus frutos e contribuíam para disseminar as sementes (2). Na Europa, não é tão claro com que tipo de herbívoro interagiria, embora observações feitas na Argentina sugiram que outros grandes herbívoros também poderiam ter-se alimentado dos seus legumes. O gado é, nesta região, o que contribui principalmente para a propagação desta espécie.




Flor masculina de Gleditsia sinensis (Jardim Botânico Real de Madrid). As flores são actinomorfas. Pétalas e sépalas são muito semelhantes entre si.



GleditsiaFamilia: FabaceaeOrden: Fabales

Árvores de folha caduca, espinhosas ou desarmadas, com tronco bem definido, casca enegrecida e rachada, funcionalmente monóica. Ramos alternados, muitas vezes com espinhos ramificados. Folhas pulvuladas, estipuladas, pecioladas, 1-2 paripinadas; estípulas livres entre si, não soldadas ao pecíolo, prontamente caducas; pináculos e folhíolos pulvinulados; folhíolos com margem serrilhada ou crenada, com glândulas roxas perto do pecíolo (estípulas) e em cada um dos seios dos dentes. Inflorescências em grupos de caules, os masculinos multiflorais, pêndulos, os femininos pauciflorais, eretos; flores bracteadas, actinomórfas, funcionalmente unisexuais, com néctar; receptáculo floral em forma de taça (hipanto) de cujo ápice o perianto e o androceo nascem, e da base, o gineceo. Perianto diclamídeo, com 2-5(7) peças externas (sépalos) e 3-5(7) internas (pétalas) de forma e côr semelhante (tépalos); tépalos verde-amarelados, com o dorso, e por vezes também o ventre, acetinado. Androceo com (3)5-7(10) estambres livres; filamentos estaminais cilíndricos, os das flores masculinas glabros ou peludos na base, os femininos peludos; anteras ovóides, dorsifixas, com abertura lateral alargada. Ovário estipitado, puberulento, com numerosos rudimentos seminais, biseriados; estilo pouco definido perto da base na antésis, depois reto; estigma húmido, discóide ou elíptico, ± bilobado. Fruto estipitado, pendulo, plano, algo ondulado e retorcido, indeíscente, carnudo, com numerosas sementes. Sementes com mais de 8 mm, ovóides, aplanadas, lisas, com fio punctiforme e rafe coriáceo e persistente, sem estrofíolo. x = 14.





Legumes de Gleditsia triacanthos no Parque do Retiro (Madrid).



Espécie cultivada nos nossos parques desde há muito tempo e da qual também se desenvolveu uma variedade sem espinhos. Parece, no entanto, que a sua classificação como espécie invasora condena por agora esta espécie a deixar de ser utilizada como árvore ornamental. A sua ampla naturalização no entanto, garante por enquanto a sua sobrevivência na nossa flora.



(1) Schnabel1 A. & Krutovskii K. (2004) / Conservation genetics and evolutionary history of Gleditsia caspica: Inferences from allozyme diversity in populations from Azerbaijan / Conservation Genetics, Vol.5, pp. 195–204, 2004
(2) Whit Bronaugh (2010) / The Trees That Miss The Mammoths / American Forests (Winter 2010 issue)


Autor: Adrián Rodríguez
Tradução: João Ferro